O Meu primeiro dia de escola, há 81 anos

Aparentemente insólito, o título do presente artigo transporta-nos, como que por magia, para o primeiro dia de escola, na vida de uma criança, corria o ano de 1929. Esta “criança” tem, hoje, 88 saudáveis e perspicazes anos.

Margarida recorda-se de tudo, “como se fosse hoje”. Com uma frescura que os anos avivaram, conta na 1ª pessoa: “No dia 19 de Outubro, saí de casa, no lugar das Eiras, em Canelas, a caminho da escola, em Megide. Saí às 8.30 horas, para entrar ao toque da campainha, que era às 9 horas da manhã. Levava na mão uma saca com uma lousa, de certo material branco, creio que de esmalte. O meu pai fez-lhe um furinho no canto, por onde passou um fio com um esfregãozinho para a limpar. A escrita, na dita lousa, era com um lápis. Além disso, levava o livro da 1ª classe.

Entrei na sala, contente, mas um tanto apreensiva, preocupada com medo de não conseguir fazer aquilo que a senhora professora me mandasse. Éramos 45 alunas, uma parte da 3ª classe, outra da 1ª”. Lembra que, nesse dia, a professora traçou uma linha no quadro e sobre ela registou os algarismos de 1 a 10, solicitando às alunas da 1ª classe que copiassem o que estava no quadro e fossem enchendo a lousa com iguais exercícios. Mas… “Eu não consegui. Fiquei muito aflita e em silêncio, mas muito cheia de lágrimas”. Valeu-lhe a colega de carteira que, solidária e experiente, se apressou a deitar mão de uma série de analogias, permitindo à neófita “perceber os números” e, deste modo, resolver o referido exercício com sucesso. Feliz, recorda: “Disse-me ela: olha, o 1 é como um gancho da cesta com que o meu avô faz a vindima; o 2 é uma roda e um pau; o 3 duas meias rodas; o 4 uma cadeira; o 5 uma foucinha; o 6 uma roda e um pau; o 7 um pau; o 8 duas rodas, o 9 outra roda e um pau e, finalmente, o 10. Nunca me esqueci como fiquei triste e aflita e a felicidade com que resolvi o problema, e com que rapidez.

Depois fui ler uma página do livro, ainda soletrando, mas já conhecia as letras, que a minha mãe ia-mas ensinando em casa. Os algarismos é que eu não era capaz.

As aulas eram das 9 horas às 12 horas, com dez minutos de intervalo, e das 13 horas às 15 horas. No fim das aulas, cantávamos a tabuada, que ainda hoje sei de cor e salteada. Também tínhamos um quadro com uns arames e uns botões às cores, de madeira – o tradicional ábaco – para aprendermos a contar até cem. Cada arame tinha dez botões ou bolinhas.

Gostei muito de ter andado na escola. Acabei o exame de 2º grau, ou 4ª classe, a 15 de Julho de 1933. Sempre com a mesma professora, Dª Haidé Almeida Francês”.

Oitenta e um anos decorridos, com todo o tempo do mundo, depois de uma vida de trabalho, filhos criados e estabilizada a vida económica e social, Margarida regressou à “escola”, onde brilham as suas vivas e coloridas pétalas, lado-a-lado com cerca de sessenta outras “flores” que, apesar do desgaste do tempo, alimentam o caloroso jardim em que se tem convertido a “Academia Sénior da Sabedoria de Canelas”, a funcionar, com actividades diárias, da parte da tarde, na “Associação Desportiva e Cultural de Santa Isabel”, no lugar de Santa Isabel, em Canelas, sob a coordenação geral da criativa e dinâmica Madalena Vaz.

A oferta é diversificada: hidroginástica, ginástica, pilates, natação, dança, inglês, informática, canto coral, teatro, artes plásticas, percursos da História, comunicação, expressão oral e escrita.

O grupo conta, ainda, com o apoio de uma equipa multidisciplinar nas áreas da educação física, da medicina, da enfermagem, da fisioterapia, da psicologia, da terapia da fala e do nutricionismo.

Margarida é nome de flor. Uma entre muitas outras, para quem a idade se transformou em sabedoria e experiência a partilhar em clima de amizade, de afecto, de alegria e saudável vizinhança, com a certeza de que cada dia deve construído com qualidade e saudável energia. Um verdadeiro exemplo para as gerações mais novas! Afinal, como dizia Henri Frédéric Amiel, escritor, poeta e filósofo suíço, “Saber envelhecer é a grande sabedoria da vida”. Na “Academia Sénior da Sabedoria de Canelas” fervilham muitas vidas com histórias, que iremos recuperando e divulgando para memória presente e futura.

José Manuel Couto

Publicado no Jornal Audiência, em 27-10-2010

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