Há frases ou expressões que, de tão repetidas, acabam por nos ficar no ouvido. E nelas o seus autores. A frase que dá título a este breve artigo, criada por Raul Solnado, estará por muitos e muitos anos associada ao seu mentor. Sempre que a pronunciarmos ou a ouvirmos, a nossa memória afectiva fará o favor de nos presentificar o artista multifacetado que acaba de nos deixar, com quase 80 anos.
Conta quem privou com Solnado, e foram muitos os testemunhos nos últimos dias, que andava sempre bem-humorado, que sempre tinha uma palavra de acolhimento e conforto, que sempre se dedicou mais aos outros do que a si próprio, que quando não estava bem não aparecia, para não afectar os outros… Por isso, a frase com que habitualmente se despedia do seu público é uma espécie de imperativo de alguém que sabe que ser e andar feliz é mesmo um favor que se faz: antes de mais ao próprio sujeito e, consequentemente, aos que com ele se cruzam no dia-a-dia. Quando se procura andar feliz, é-se feliz. Isto é, tem-se uma atitude positiva face à vida, ao mundo, aos outros, mesmo aos constrangimentos e adversidades. O ser feliz traduz-se em comportamentos de felicidade, de agrado, de ajuda e solidariedade, de lealdade e abertura aos outros. E estes comportamentos contagiam, dispõem bem e dão renovado sentido à vida: à nossa e à dos outros.
Foi nisso que Solnado gastou os seus dias: em fazer os outros felizes, com as suas anedotas, com as suas rábulas, com os seus sketchs…, no teatro, no cinema, na rádio e na televisão. Por isso, foi, é e será sempre respeitado e amado. Movia-o a consciência de que “Ao longo da vida devemos deixar um rasto de luz por onde passamos”, como costumava dizer. Só as pessoas Grandes podem ter lemas como estes. Só as pessoas Grandes vivem, de facto, deixando atrás de si um rasto de luz. Numa entrevista dada há dias pela neta Joana, numa fase em que o avô se encontrava hospitalizado, sentia-se um indizível e incomensurável afecto, um amor vivencial de pessoas que sabem que ninguém é insubstituível, mas que há, de facto, pessoas que fazem a diferença e que a sua passagem pela História jamais será apagada.
Nos tempos de correm, marcados pelo atropelo, pela ganância e a ostentação, pela arrogância e desrespeito pelos princípios mais elementares da solidariedade, da tolerância e da lealdade nas relações, não falta quem tente brilhar, mas à custa da maledicência e do apagamento dos outros, deixando atrás de si não um rasto de luz, como Solnado, mas um rasto de sombra e de miséria. Alguns só crescem apoucando os outros. Solnado tornou-se Grande, muito Grande, engrandecendo os outros, contagiando-os com a felicidade de ser existir. Não podemos deixar cair a imagem e a mensagem do humorista. Morreu fisicamente o homem. Fique em todos nós a sua humanidade e os valores que a impregnaram.
Ah! Caras e caros leitores, tenho a certeza de que a melhor forma de homenagear Solnado será, em cada manhã, no primeiro abrir das janelas do olhar, recordar as suas palavras, numa espécie de oração: “Ao longo do dia de hoje, aconteça o que acontecer, vou ser feliz e contagiar de felicidade aquelas e aqueles que comigo se cruzarem, deixando um rasto de luz por onde passar. Amén.”
“Façam o favor de ser felizes!”
José Manuel Couto
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