Conta-se que Uma corrente de água levava duas panelas: uma era de cobre, outra de barro. Indo cada uma ia por sua banda, disse a de cobre à outra:
– Cada uma de nós, só, não tem força para fazer resistência à água. Chega-te a mim e ambas poderemos resistir-lhe.
– Não quero, disse a de barro, nem me vem bem, porque se na água tu me deres uma topada, ou ta der a ti, de qualquer maneira tu ficarás sã, e eu far-me-ei em pedaços.
Avisada panela, que não foi em cantigas.
Porém, há panelas de barro que, apesar dos sucessivos alertas de companheiras suas, não resistem à tentação e, deslumbradas, deixam-se seduzir pela aparente força protectora de velhas e manhosas panelas de ferro.
Numa outra versão deste apólogo narra-se que
A panela de ferro, um certo dia,
Ao sair do esfregão da cozinheira
Mui fresca e luzidia,
Disse à de barro, sua companheira:
– Vamos dar um passeio,
Fazer uma viagem de recreio.
– Iria com prazer, disse a de barro,
Mas sou tão delicada,
Que se acaso num seixo ou tronco esbarro,
Lá fico esmigalhada!
Acho mais acertado aqui ficar,
Ao cantinho do lar.
Tu sim, que vais segura:
A pele tens mais dura.
– Se é só por isso, podes ir comigo;
É medo exagerado o teu; contudo,
Se houver qualquer perigo,
Serei o teu escudo.
A tal dedicação, a tal carinho
Não pôde a companheira replicar,
E as duas a caminho
Lá vão nos seus três pés a manquejar.
Mas, ai! Não tinham dado quatro passos,
Numa vereda estreita,
Eis que se tocam e a de barro é feita,
Coitada, em mil pedaços!
Diz a moral:
Para sócio não busques o mais forte,
Que te arriscas decerto à mesma sorte.
Moral da história: o fraco não deve ligar-se ao poderoso, mas procurar a companhia dos seus iguais. Porque a vida ensina que o fraco sempre sucumbe diante do mais forte.
Porque “Para bom entendedor, meia palavra basta”, nada tiramos, nada acrescentamos, a estas verdades intemporais. Deixamos esse exercício para as/os leitoras/es mais diligentes.
Mas preocupam-nos certas panelas de barro que não perceberam, ainda, que por mais ilusório que seja o poder de certas panelas de ferro, também estas têm os dias contados: a ferrugem não perdoa. E não vale a pena arrependimentos, nem com cola, porque, diz o povo, “A casa arruinada e a bolsa vazia dão esperteza, mas tardia”.
José Manuel Couto
Publicado no Jornal Audiência de 28/01/2009
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